domingo, 13 de setembro de 2009

CARTA ABERTA - A POLÍCIA TÉCNICA QUE NÃO QUEREMOS

Foi com indignação, mas não com surpresa, que mais uma vez lendo a Policientífica (auto-intitulada, órgão de divulgação da ASPEC-GO), encontrei um artigo de teor discriminatório e segregacionista em relação a(o)s Papiloscopistas. Esse tipo de atitude, infelizmente, tem se tornado um fato corriqueiro e ampliado para outros ambientes como o site dessa associação e até mesmo o mural do Instituto de Criminalística. Aliás, esse comportamento nem mesmo se restringe ao nosso Estado já que situações semelhantes são relatadas em praticamente todos os pontos deste país.
Talvez o ato mais emblemático desse posicionamento tenha sido o lançamento da Carta de João Pessoa, documento que confirma a intenção dos órgãos que representam a(o)s Perita(o)os Criminais em excluir sistematicamente a(o) Papiloscopista das atividades relacionadas à perícia papiloscópica. Recentemente, um evento organizado pela ASPEC-GO em parceria com a ABC e subsidiado parcialmente pelos governos estadual e federal, cuja matéria tratada era de amplo interesse da(o)s papiloscopistas, vetou a participação dessa(e)s profissionais enquanto permitiu a participação de entidades não diretamente ligadas à Polícia Técnica.
Dentro deste cenário eu me pergunto: Como podemos fortalecer a instituição da Polícia Técnica e caminhar para a confirmação de sua autonomia quando uma classe tenta soçobrar a outra, se não há diálogo, respeito ou reconhecimento da especificidade dos serviços prestados?
Sobre esse último ponto eu gostaria de retomar o artigo mencionado anteriormente, “Das espécies de identificação papiloscópica do ponto de vista jurídico”. Ainda que não seja uma especialista da área jurídica, eu vejo que esse texto possui uma série de equívocos que precisam ser esclarecidos sob pena de serem tomados como verdade. O maior deles, em minha opinião, é tomar a Identificação Papiloscópica Civil e Criminal como mero processo administrativo.
A finalidade criminal da identificação papiloscópica nestes dois âmbitos é tão óbvia que mesmo leiga(o)s conseguem percebê-la. Após oito anos trabalhando com identificação de pessoas, dos quais uma boa parte dedicada ao requerimento de carteira de identidade, por diversas vezes eu tive a oportunidade de conversar com pessoas que se submeteram a esse processo. Eram pessoas dos mais diferentes níveis sócio-culturais e todas elas demonstraram compreender o objetivo deste: o controle social.
Se a carteira de identidade fosse um “mero” instrumento para promoção da cidadania sua utilidade seria discutível já que para este fim existe a certidão de nascimento. Além disso, não haveria a necessidade da criação e manutenção de um banco de dados. Inclusive, esse fato aliado às características intrínsecas da impressão papilar é responsável pela afirmação da supremacia do método papiloscópico sobre todos os demais métodos de identificação, até mesmo o DNA. Somente a Papiloscopia atende satisfatoriamente a todos os requisitos como perenidade, unicidade, variabilidade, imutabilidade, classificabilidade e praticidade. Quem nega esta realidade é porque desconhece o processo.
A separação da identificação papiloscópica em espécies distintas não se sustenta minimamente a um exame mais cuidadoso. O longo caminho percorrido para o estabelecimento da identidade de uma pessoa, a garantia de sua exclusividade e a possibilidade de sua localização quando necessário divide-se em etapas interdependentes, onde uma só é viável ou eficiente se relacionada à outra. Se a realidade dos nossos trabalhos suprimiu a pesquisa de fragmentos nos arquivos, esse fato só confirma a minha afirmação. Isso porque o que temos na prática é uma perícia papiloscópica praticamente inoperante, restrita exclusivamente a casos com suposta autoria. Muito aquém das possibilidades que o método apresenta. Neste caso algumas perguntas teimam em não se calarem: Por que após sete anos de sua criação, o arquivo monodactilar nunca foi utilizado para pesquisa? Por que a pesquisa informatizada de impressões digitais (AFIS) oferecida pelo Instituto de Identificação não é utilizada em toda a sua capacidade e nem segundo toda a necessidade do serviço? Por que o convênio com a Polícia Federal para utilização de seu sistema não se efetivou de fato?
Esse quadro deve ser levado em consideração antes que alguém acuse a demanda dos papiloscopistas de corporativista. Da mesma forma, antes que alguém saia divulgando com alegria que um laudo de papiloscopista foi derrubado perante um tribunal, ele deve entender que juntamente com isso foi um homicida, um ladrão, um estuprador (ou quem sabe?) que ganhou a liberdade mesmo tendo um profissional, com certeza inequívoca, apontado a autoria do crime.
Como vemos, não são apenas a(o)s papiloscopistas que perdem. Nessa briga perdem a(o)s papiloscopistas, a(o)s perita(o)s criminais e principalmente a sociedade. É esta, a razão de ser de todo o serviço público, a maior prejudicada. É a sociedade que fica sem a prestação de um serviço ou o recebe de forma precária. E tudo isso por quê? Por conta de um preconceito, de um sentimento de superioridade que não permite enxergar sequer que o outro tem formação e habilitação técnica igual, inclusive reconhecida por órgãos superiores do executivo, do legislativo e do judiciário.

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