domingo, 13 de setembro de 2009

A MULHER NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Nesse momento em que a segurança pública se põe em debate dentro de uma visão mais humanística, em decorrência da proposta da I Conferência Nacional de Segurança Pública, eu busquei olhar para dentro e fazer uma retrospectiva destes quase dez anos trabalhando na área. Eu tinha vinte anos quando fui chamada a tomar posse no quadro de Papiloscopistas da Polícia Cientifica, estrutura que à época pertencia à Polícia Civil. Eu me lembro bem. O mundo tal como ele se apresenta hoje para mim, tinha uma configuração bastante diferente.
Até então eu não lia a realidade como uma enorme colcha de retalhos a partir dos quais formamos as diversas identidades de homem, mulher, negro, branco, heteroafetivo, homoafetivo e assim por diante. Eu também não reconhecia a força homogeneizadora que busca romper essa diversidade social. Havia em mim muita ingenuidade.
Ainda assim eu logo percebi que a Segurança Pública era um lugar prioritariamente masculino. É com facilidade que percebemos isso. Mas é também com naturalidade que lidamos com este fato. Como se em verdade a segurança pública devesse ser um assunto reservado para homens.
Obviamente, não há uma regra tácita que reprima a participação de mulheres nesse contexto. Isso atentaria contra a Carta Magna, que prevê a igualdade entre os sexos. Mesmo assim, dentro de uma ordem simbólica, homens e mulheres assumem posições diferentes conforme se distribuam na sociedade.
Embora a luta feminista tenha produzido uma maior participação social das mulheres e sua inserção no mercado de trabalho, podemos observar que essa participação não ocorre de maneira equilibrada em todas as suas instâncias. Nós bem sabemos, e são os dados estatísticos que apontam para isso, que as mulheres, mesmo possuindo maior escolaridade, ainda são remuneradas de modo inferior aos homens. Tal circunstância deriva do fato de que as mulheres têm menos acesso a cargos de liderança, ficando sua participação restrita à base da pirâmide.
Essa divisão sexual do trabalho, que ocorre de modo geral em toda sociedade, também se reproduz na estrutura dos órgãos da Segurança Pública. Nesta, raramente uma mulher ocupa uma posição de poder. Via de regra, o quantitativo feminino é direcionado para atividades operacionais. E como tradicionalmente nesta área, os gestores deliberam sem consulta aos trabalhadores, deste fato decorre que as decisões na Segurança Pública têm gênero. E é masculino.
Quais as conseqüências que esse tipo de monopolização das decisões acarreta para a sociedade é mais difícil dizer. Será que teríamos um modelo mais humanizado de segurança pública se as mulheres tivessem mais poder de decisão? É praticamente impossível prever. No entanto um aspecto precisa ser levado em conta.
Essa força homogeneizadora da realidade que citei antes tende a tornar invisível tudo o que é diferença. Acontece que a nossa sociedade constitui não só diferença mais desigualdade. E por mais que essa desigualdade não seja visível, ela está lá produzindo seus efeitos.
Raramente analisamos a violência contra a mulher como um problema social decorrente da desigualdade de gêneros. As soluções que buscamos para o problema implicam quase exclusivamente em formas de atuação no indivíduo. Mas como problema social, este tipo de violência requer medidas mais sistêmicas de combate.
Nós nunca paramos para pensar o quanto a construção social da mulher como um ser frágil e dependente é fator gerador de violência. Não pensamos porque não conseguimos enxergar esta evidência. Estamos cegos pela naturalização da violência doméstica. E assim, encerrada no silêncio, a mulher se vê suscetível às mais variadas formas de agressão, tanto física quanto psicológica.
Neste sentido, quem melhor do que uma mulher para identificar essa dor que também é sua? Uma dor que não precisa ir ao outro para ser reconhecida porque se reconhece em si mesma. Uma dor que por analogia, se reconhece em qualquer forma de discriminação. Enquanto sujeito passivo da violência e da exclusão, a mulher carrega também em si o maior agente transformador desta realidade.

2 comentários:

  1. Inteligente, como sempre. Te adoro menina, voce vai longe... só não abandone o blog.
    bjs

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    1. Eu já havia abandonado o blog quando você me escreveu. Só agora, revirando meu perfil, encontrei seu comentário. (rs) Acho que é hora de reativá-lo. Obrigada pela força. Bjs.

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